Pois existe aqui em Vargem Grande, no Maciço da Pedra Branca, perto da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, uma comunidade QUILOMBOLA. Há mais ou menos uns 15 km do Recreio Shopping. Essa comunidade quilombola é formada por descendentes de seres humanos que foram escravizados para trabalhar na antiga fazenda de Café de Vargem Grande.
Quilombolas: Designação comum aos escravos refugiados em quilombos, ou descendentes de escravos negros cujos antepassados no período da escravidão fugiram dos engenhos de cana-de-açúcar, fazendas e pequenas propriedades onde executavam diversos trabalhos braçais para formar pequenos vilarejos chamados de quilombos. O termo quilombola vem do tupi-guarani cañybó e significa aquele que foge muito. (Fonte: Wikipédia)
São aproximadamente 300 famílias que moram em sete núcleos dentro do território. Com distância de 1 a 2 km entre cada núcleo. Mais de 1.000 pessoas que descendem da mesma árvore genealógica, trabalhadores escravos, que ficaram morando no entorno da fazenda após a abolição da escravatura. Formaram núcleos familiares em áreas agricultáveis dentro da floresta para sobreviver.
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Em 2013, os moradores do quilombo com ajuda do meio acadêmico, Agrovargem (Associação de Agricultores de Vargem Grande) e movimentos sociais se empoderaram e munidos de vários documentos históricos e antropológicos, começaram um trabalho de visibilidade, em busca de direitos e justiça socioambiental. Tradicionalidade e participação histórica na formação da baixada de Jacarepaguá, território esse anteriormente conhecido como SERTÃO CARIOCA.
O lugar era apenas conhecido como Cafundá. Ao conseguirem a certificação como comunidade descendente de quilombo em 2014, reconhecida pela Fundação Palmares, instituição pública federal voltada para a pesquisa, identificação e promoção da arte e cultura afro-brasileira, passaria a se chamar Quilombo Vargem Grande. Porém, resolveram homenagear a senhora Astrogilda, quando passou a se chamar COMUNIDADE QUILOMBOLA CAFUNDÁ ASTROGILDA.
Cafundá que vem de cafundó, lugar ermo, muito longe.
Astrogilda era uma grande matriarca e figura importante na região. Por volta de 1930 em seu centro espírita, fazia partos, benzia pessoas doentes. Seu companheiro psicografava ervas medicinais da região. Assim, ajudavam aqueles que não contavam com auxílio de um médico. Imagina o que era essa área nesse tempo!
Fomos recebidos por Sandro Silva dos Santos (de bermuda vermelha), neto de D. Astrogilda, nasceu e foi criado na comunidade e vive ali há 44 anos. Defensor ativo da ideia patrimonial e cultural do local. Foi ele quem nos contou toda a história.
“A luta é para preservar a CULTURA, TRADIÇÃO QUILOMBOLA, MEMÓRIA LOCAL E NOSSA AGRICULTURA. Mostrar um Rio muito além do redentor”, disse Sandro Santos.
Essa casa de pau a pique, foi orientada por Pedro Mesquita e Paulinho, que conhecem a técnica ancestral. Neste local era o centro espírita onde D. Astrogilda atendia. A ideia é criar um museu. Todo o trabalho de construção foi feito em mutirão que Sandro conta foi com muita alegria, “era barro pra todo lado”, disse ele.
AGRICULTURA FAMILIAR no Quilombo Cafundá Astrogilda
A comunidade se dedica a AGRICULTURA, uma agricultura agroecológica.
Sandro Santos com Vaniey Mesquita, filho de Pedro Mesquita, um dos principais agricultores da região. Vaniey aprende todas as técnicas de agricultura, como herança passada de pai para filho.
Pedro Mesquita é o agricultor mais variado da região, com maior quantidade de produção. Foi o primeiro a conseguir o DAP ,declaração de aptidão do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o PRONAF. Isto possibilita a vender, por exemplo, para as escolas. Hoje, outros agricultores já possuem o DAP.
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Esses alimentos saudáveis, poderiam ser vendidos para merenda escolar em bairros próximos, porém, apenas uma escola da redondeza adquire esses produtos para suas refeições.
Por coincidência, no dia da visita, o Prof. Carlos Motta, diretor do Colégio Estadual Teófilo Moreira da Costa, o único a aderir para a escola que dirige, os produtos da agricultura familiar dos quilombolas, estava presente no local e contou o quanto considera importante adquirir os produtos dos Quilombolas.
Como educador, ele acredita que a escola precisa manter a cidadania com a comunidade local, não pode ficar achando que é só estudar o conteúdo das matérias. Os alunos aprendem a valorizar os produtos da região, afinal a plantação está há 20 minutos da escola. Isso fortalece a economia local e a economia solidária.
“É feita uma chamada pública, que é divulgada, os agricultores apresentam uma proposta e se combina com eles os produtos que estão na época e assim com melhor preço para a compra da merenda escolar”, diz o prof. Carlos.
A agricultura familiar produz alimentos sem agrotóxicos diretos para a merenda escolar dessa escola. Isso significa: SAÚDE!
As dificuldades acontecem para a venda dos alimentos para outros colégios, pois há uma gestão, por exemplo, das escolas municipais que fazem compras centralizadas. Diferente do município, uma escola estadual responde por suas próprias escolhas.
Os quilombolas do Cafundá Astrogilda plantam abacate, limão, aipim, acerola, mamão, chuchu, etc., porém, a maior produção é de bananas, produto muito vendido em feiras. Tem tanto caqui, que na época da colheita há eventos como o TIRA CAQUI. Pessoas de fora da comunidade participam na colheita para que não estrague tamanha quantidade de frutas.
Nosso almoço foi na pensão da Nilza, esposa de Pedro Mesquita, citado acima, que também é presidente da associação de moradores do quilombo. Nilza mantém esse pequeno estabelecimento com comida tradicional toda feita em fogão à lenha. Até os doces saborosos, são feitos por ela também nesse tradicional fogão.
Delícia Quilombola:
Muito bom para acompanhar com café, é doce feito de aipim, canela, cravo, coco e açúcar, enrolado em folha de bananeira.
Cardápio do almoço:
PIRÃO DE BANANA (Base feita de banana verde, com carnes salgadas e temperos), em épocas remotas substituiu o feijão, não plantado na região.
Taioba, arroz, farofa e salada.
Suco de Acerola
Doce de Banana e Doce de Acerola (época de acerola)
Do lado esquerdo os nomes dos sambistas que já partiram e direita os compositores que animam a roda de samba.
Sandro contou que fazem uma bebida chamada Parangolé, um licor à base de mel e vinho em uma infusão de ervas, que só tem por lá.
Os quilombolas sonham e anseiam que suas tradições se mantenham, apesar dos tamanhos desafios que ainda enfrentam:
-Os recursos são próprios, pois não há colaboração do Estado.
-Fazem a gestão da própria água.
-Recentemente conseguiram o direito de serem atendidos no posto de saúde da região, numa Clínica da Família, o que consideraram um grande ganho.
-Não há escolas próximas, para o ensino básico, as crianças andam 12 km entre ida e volta de casa para a escola.
-Se existe concretamento para melhorar acessos pelo caminho, são os moradores que fazem.
-Muita força de trabalho é gerada em mutirão. As mulheres também arregaçam as mangas e ajudam na limpeza de locais.
Um lugar que espera por você, para que junto a eles os ajudem a dar continuidade a uma história que não é somente deles, é nossa também.
LAMENTO QUILOMBOLA
A história da formação do Quilombo Cafundá Astrogilda contada em cordel pelo relato histórico do griô** Pingo
**Griô é aquele que na comunidade é o contador de história, seja sob aspectos sociais, religiosos, de vivências culturais que faz com que se preserve a memória do local.
Passaram 126 anos
Já não se ouve mais o assovio do açoite
Nem tilintar dos grilhões
Sons que por muitos anos
Atormentaram corações
Sois livres, partam!
Curem as suas feridas
Esqueçam o horror da senzala
Reconstruam suas vidas
Os negros desnorteados
Libertos enfim dos seus nós
Ocuparam uma imensa área
Os ermos dos cafundós
Foi ali que em pouco tempo
Começaram a surgir
Vários núcleos familiares
Que contarei a seguir
Cafundá, Morro Redondo
Eram os maiores que tinha
Também o Sítio das Moças
E a Toca da Farinha
Era nessa famosa toca
Que os escravos foliões
Quando deixavam o trabalho
Faziam reuniões
O núcleo do Cafundá
Fundado por meu avô
Se destacou bem depressa
Como o maior produtor
Nesse núcleo em pouco tempo
Com as famílias unidas
Um casal se destacou
Seu Celso e Dona Astrogilda
Seu Celso e Dona Astrogilda
Dentro da comunidade
Fundaram um Centro Espírita
Para fazer caridade
Não cobravam um centavo
Pelas curas que faziam
Ela com os Orixás
Ele com homeopatia
Como o caçula da família
Tenho a maior devoção
Mantenho o altar dos santos
Preservando a tradição
Aprendi muito com eles
Histórias lindas ouvi
Sobre os que já eram mortos
Mas muitos eu conheci
Bibiano, Antônio Virgulino,
Nonô Cárdia e Sinô,
Joaquim Querozene, Vico Pereira
Chico da Chácara e Nonô
Nessas terras nós nascemos
Vivemos com abundância
Hoje somos ameaçados
Pelo fantasma da ganância
Senhores governantes
Controlem seu egoísmo
Nos tirar da nossa terra
Para dar ao capitalismo
Reconheçam nosso Quilombo
E nos deixem ajudar
Nós que nascemos aqui
É que sabemos preservar.
PINGO MESQUITA, agosto de 2014
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Eventos da Comunidade Quilombola:
Trabalho de campo em 30 de abril de 2017 com minha turma de pós-graduação em Jornalismo Gastronômico, FACHA, sob a coordenação das Professoras Silvia Baptista Libertad e Juliana Dias.
Outras visitas foram feitas no mesmo dia: ao Sítio ARTE DA TERRA, de ervas para temperos e plantas medicinais e a uma feira dos produtores locais, a Feira da Roça. Que serão descritas em outro post.