Tempero da Vida

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Rosane Vidinhas
2 de maio de 2017

Agricultura Familiar – Quilombolas em Vargem Grande

Você um dia na sua escola estudou sobre Quilombos?

 

Pois existe aqui em Vargem Grande, no Maciço da Pedra Branca, perto da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, uma comunidade QUILOMBOLA. Há mais ou menos uns 15 km do Recreio Shopping. Essa comunidade quilombola é formada por descendentes de seres humanos que foram escravizados para trabalhar na antiga fazenda de Café de Vargem Grande.

Quilombolas: Designação comum aos escravos refugiados em quilombos, ou descendentes de escravos negros cujos antepassados no período da escravidão fugiram dos engenhos de cana-de-açúcar, fazendas e pequenas propriedades onde executavam diversos trabalhos braçais para formar pequenos vilarejos chamados de quilombos. O termo quilombola vem do tupi-guarani cañybó e significa aquele que foge muito. (Fonte: Wikipédia)

Comunidade Quilombola próximo ao Parque Estadual da Pedra Branca

Agricultura Familiar- Quilombolas em Vargem Grande

Maciço da Pedra Branca. Lá no fundo se vê o bairro Recreio dos Bandeirantes e a praia da Macumba.

Agricultura Familiar- Quilombolas em Vargem Grande

Essa comunidade Quilombola existe nesse território há mais de 200 anos.

São aproximadamente 300 famílias que moram em sete núcleos dentro do território. Com distância de 1 a 2 km entre cada núcleo. Mais de 1.000 pessoas que descendem da mesma árvore genealógica, trabalhadores escravos, que ficaram morando no entorno da fazenda após a abolição da escravatura. Formaram núcleos familiares em áreas agricultáveis dentro da floresta para sobreviver.

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Em 2013, os moradores do quilombo com ajuda do meio acadêmico, Agrovargem (Associação de Agricultores de Vargem Grande) e movimentos sociais  se empoderaram e munidos de vários documentos históricos e antropológicos, começaram um trabalho de visibilidade, em busca de direitos e justiça socioambiental. Tradicionalidade e participação histórica na formação da baixada de Jacarepaguá, território esse anteriormente conhecido como SERTÃO CARIOCA.

O lugar era apenas conhecido como Cafundá. Ao conseguirem a certificação como comunidade descendente de quilombo em 2014, reconhecida pela Fundação Palmares, instituição pública federal voltada para a pesquisa, identificação e promoção da arte e cultura afro-brasileira, passaria a se chamar Quilombo Vargem Grande. Porém, resolveram homenagear a senhora Astrogilda, quando passou a se chamar COMUNIDADE QUILOMBOLA CAFUNDÁ ASTROGILDA.

Cafundá que vem de cafundó, lugar ermo, muito longe.

Astrogilda era uma grande matriarca e figura importante na região. Por volta de 1930 em seu centro espírita, fazia partos, benzia pessoas doentes. Seu companheiro psicografava ervas medicinais da região. Assim, ajudavam aqueles que não contavam com auxílio de um médico. Imagina o que era essa área nesse tempo!

Fomos recebidos por Sandro Silva dos Santos (de bermuda vermelha), neto de D. Astrogilda, nasceu e foi criado na comunidade e vive ali há 44 anos. Defensor ativo da ideia patrimonial e cultural do local. Foi ele quem nos contou toda a história.

“A luta é para preservar a CULTURA, TRADIÇÃO QUILOMBOLA, MEMÓRIA LOCAL E NOSSA AGRICULTURA. Mostrar um Rio muito além do redentor”, disse Sandro Santos.

Essa casa de pau a pique, foi orientada por Pedro Mesquita e Paulinho, que conhecem a técnica ancestral. Neste local era o centro espírita onde D. Astrogilda atendia. A ideia é criar um museu. Todo o trabalho de construção foi feito em mutirão que Sandro conta foi com muita alegria, “era barro pra todo lado”, disse ele.

AGRICULTURA FAMILIAR no Quilombo Cafundá Astrogilda

A comunidade se dedica a AGRICULTURA, uma agricultura agroecológica.

Sandro Santos com Vaniey Mesquita, filho de Pedro Mesquita, um dos principais agricultores da região. Vaniey aprende todas as técnicas de agricultura, como herança passada de pai para filho.

Pedro Mesquita é o agricultor mais variado da região, com maior quantidade de produção. Foi o primeiro a conseguir o DAP ,declaração de aptidão do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o PRONAF. Isto possibilita a vender, por exemplo, para as escolas. Hoje, outros agricultores já possuem o DAP.

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Plantam e colhem alimentos sem agrotóxicos.

Esses alimentos saudáveis, poderiam ser vendidos para merenda escolar em bairros próximos, porém, apenas uma escola da redondeza adquire esses produtos para suas refeições.

Por coincidência, no dia da visita, o Prof. Carlos Motta, diretor do Colégio Estadual Teófilo Moreira da Costa, o único a aderir para a escola que dirige, os produtos da agricultura familiar dos quilombolas, estava presente no local e contou o quanto considera importante adquirir os produtos dos Quilombolas.

Como educador, ele acredita que a escola precisa manter a cidadania com a comunidade local, não pode ficar achando que é só estudar o conteúdo das matérias. Os alunos aprendem a valorizar os produtos da região, afinal a plantação está há 20 minutos da escola. Isso fortalece a economia local e a economia solidária.

“É feita uma chamada pública, que é divulgada, os agricultores apresentam uma proposta e se combina com eles os produtos que estão na época e assim com melhor preço para a compra da merenda escolar”, diz o prof. Carlos.

A agricultura familiar produz alimentos sem agrotóxicos diretos para a merenda escolar dessa escola. Isso significa: SAÚDE!

As dificuldades acontecem para a venda dos alimentos para outros colégios, pois há uma gestão, por exemplo, das escolas municipais que fazem compras centralizadas. Diferente do município, uma escola estadual responde por suas próprias escolhas.

Sandro Santos. Sentado, o Prof. Carlos Motta.

Os quilombolas do Cafundá Astrogilda plantam abacate, limão, aipim, acerola, mamão, chuchu, etc., porém, a maior produção é de bananas, produto muito vendido em feiras. Tem tanto caqui, que na época da colheita há eventos como o TIRA CAQUI. Pessoas de fora da comunidade participam na colheita para que não estrague tamanha quantidade de frutas.

Caramanchão de maracujá

limoeiro

Pará tirando limão

Mamoeiro

Mamoeiro

Urucum

Urucum

Nosso almoço foi na pensão da Nilza, esposa de Pedro Mesquita, citado acima, que também é presidente da associação de moradores do quilombo. Nilza mantém esse pequeno estabelecimento com comida tradicional toda feita em fogão à lenha. Até os doces saborosos, são feitos por ela também nesse tradicional fogão.

Nilza, a cozinheira

Delícia Quilombola:

SOLA DE AIPIM

Muito bom para acompanhar com café, é doce feito de aipim, canela, cravo, coco e açúcar, enrolado em folha de bananeira.

Cardápio do almoço:

 PIRÃO DE BANANA  (Base feita de banana verde, com carnes salgadas e temperos), em épocas remotas substituiu o feijão, não plantado na região.

Taioba, arroz, farofa e salada.

Suco de Acerola

Doce de Banana e Doce de Acerola (época de acerola)

Cultivam o samba carioca e a música popular brasileira.

Uma coleção de discos de vinil.

Do lado esquerdo os nomes dos sambistas que já partiram e  direita os compositores que animam a roda de samba.

Sandro contou que fazem uma bebida chamada Parangolé, um licor à base de mel e vinho em uma infusão de ervas, que só tem por lá.

Os quilombolas sonham e anseiam que suas tradições se mantenham, apesar dos tamanhos desafios que ainda enfrentam:

-Os recursos são próprios, pois não há colaboração do Estado.

-Fazem a gestão da própria água.

-Recentemente conseguiram o direito de serem atendidos no posto de saúde da região, numa Clínica da Família, o que consideraram um grande ganho.

-Não há escolas próximas, para o ensino básico, as crianças andam 12 km entre ida e volta de casa para a escola.

-Se existe concretamento para melhorar acessos pelo caminho, são os moradores que fazem.

-Muita força de trabalho é gerada em mutirão. As mulheres também arregaçam as mangas e ajudam na limpeza de locais.

Um lugar que espera por você, para que junto a eles os ajudem a dar continuidade a uma história que não é somente deles, é nossa também.

 

LAMENTO QUILOMBOLA

A história da formação do Quilombo Cafundá Astrogilda contada em cordel pelo relato histórico do griô** Pingo

**Griô é aquele que na comunidade é o contador de história, seja sob aspectos sociais, religiosos, de vivências culturais que faz com que se preserve a memória do local.

Passaram 126 anos

Já não se ouve mais o assovio do açoite

Nem tilintar dos grilhões

Sons que por muitos anos

Atormentaram corações

 

Sois livres, partam!

Curem as suas feridas

Esqueçam o horror da senzala

Reconstruam suas vidas

 

Os negros desnorteados

Libertos enfim dos seus nós

Ocuparam uma imensa área

Os ermos dos cafundós

 

Foi ali que em pouco tempo

Começaram a surgir

Vários núcleos familiares

Que contarei a seguir

 

Cafundá, Morro Redondo

Eram os maiores que tinha

Também o Sítio das Moças

E a Toca da Farinha

 

Era nessa famosa toca

Que os escravos foliões

Quando deixavam o trabalho

Faziam reuniões

 

O núcleo do Cafundá

Fundado por meu avô

Se destacou bem depressa

Como o maior produtor

 

Nesse núcleo em pouco tempo

Com as famílias unidas

Um casal se destacou

Seu Celso e Dona Astrogilda

 

Seu Celso e Dona Astrogilda

Dentro da comunidade

Fundaram um Centro Espírita

Para fazer caridade

 

Não cobravam um centavo

Pelas curas que faziam

Ela com os Orixás

Ele com homeopatia

 

Como o caçula da família

Tenho a maior devoção

Mantenho o altar dos santos

Preservando a tradição

 

Aprendi muito com eles

Histórias lindas ouvi

Sobre os que já eram mortos

Mas muitos eu conheci

 

Bibiano, Antônio Virgulino,

Nonô Cárdia e Sinô,

Joaquim Querozene, Vico Pereira

Chico da Chácara e Nonô

 

Nessas terras nós nascemos

Vivemos com abundância

Hoje somos ameaçados

Pelo fantasma da ganância

 

Senhores governantes

Controlem seu egoísmo

Nos tirar da nossa terra

Para dar ao capitalismo

 

Reconheçam nosso Quilombo

E nos deixem ajudar

Nós que nascemos aqui

É que sabemos preservar.

PINGO MESQUITA, agosto de 2014

Como entrar em contato?

Facebook para informações: https://www.facebook.com/profile.php?id=100009608566748

 

Eventos da Comunidade Quilombola:

Trabalho de campo em 30 de abril de 2017 com minha turma de pós-graduação em Jornalismo Gastronômico, FACHA, sob a coordenação das Professoras Silvia Baptista Libertad e Juliana Dias.

 

Outras visitas foram feitas no mesmo dia: ao Sítio ARTE DA TERRA, de ervas para temperos e plantas medicinais e a uma feira dos produtores locais, a Feira da Roça. Que serão descritas em outro post.

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